terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O Sudoeste: poesia em preto e branco/branco e preto em poesia

2013. Fevereiro. Dia 12. Terça-feira de Carnaval. 17h30min. Paraná. Curitiba. Portão Cultural. Cine Guarani. Tempo e espaço do começo de uma jornada poética de duas horas de duração.
Fui assistir a Sudoeste, filme de Eduardo Nunes de 2011 realizado em preto e branco narra um dia na vida de Clarice, dia que contém toda sua vida. Mágico, fantástico, poético, o filme me prendeu do começo ao fim com a presença de Simone Spoladore, Dira Paes e Léa Garcia. Com roteiro do próprio Eduardo Nunes com Guilherme Sarmiento e fotografia espetacular de Mauro Pinheiro Jr, o filme narra como "numa vila isolada do litoral brasileiro onde tudo parece imóvel, Clarice percebe a sua vida durante um único dia, em descompasso com as pessoas que ela encontra e apenas vivem aquele dia como outro qualquer. Ela tenta entender a sua obscura realidade e o destino das pessoas a sua volta num tempo circular que assombra e desorienta" (http://www.cineclick.com.br/filmes/ficha/nomefilme/sudoeste/id/17842).

Em certos momentos, o filme me fez lembrar outras produções recentes do cinema brasileiro que, assisti nos últimos três meses, muito me agradando: Curitiba Zero Grau, Circular, produções paranaenses e O Som ao Redor, produção pernambucana. Os quatro filmes, de certa forma, ao abordarem temas distintos, trazem, também, uma mensagem de esperança na utopia: a poética de O Sudoeste; a otimista de Curitiba Zero Grau; a desconfiada de Circular; e a vingativa de O Som ao Redor. Cada um desses filmes, ao seu modo, encaminha uma maneira de lidar com a possibilidade de transformação positiva na vida, na sociedade, no ser humano, no mundo.
A propósito, sobre a utopia, há um livro muito bom de Lúcia Nagib justamente intitulado A Utopia no Cinema Brasileiro – matrizes, nostalgias e distopias. Publicado em 2006, pela Cosac Naify, nesse texto a professora Lúcia Nagib traça um panorama da produção cinematográfica brasileira desde o Cinema Novo até a produção contemporânea. Aliás, Alcino Leite Neto, em texto na orelha do livro, aponta justamente que o livro tem, entre seus méritos, o principal é estabelecer os elos e as divergências entre o cinema novo – momento alto do modernismo no Brasil, e a produção contemporânea. Uma lista de filmes imperdíveis da cinematografia brasileira é analisada em seis capítulos. Os filmes brasileiros analisados são: Deus e o diabo na terra do sol (1964), Terra em transe (1967), Terra estrangeira (1995), Corisco e Dadá (1996), Crede-mi (1967), Brasil perfumado (1997), Abril despedaçado (2001), Central do Brasil (1998), O primeiro dia (1999), Latitude zero (2000), Hans Staden (1999), Como era gostoso meu francês (1970-72), Macunaíma (1969), Orfeu (1999), Orfeu Negro (1959), Cidade de Deus (2002) e O invasor (2002).
Mas, voltando a O Sudoeste, o filme me agradou muito pela forma de filmagem. Além de preto e branco, muita câmara parada, com paisagens estonteantes, onde os personagens vão entrando pelas laterais. Além disso, detalhes de peças e roupas, em close, dando uma sensação intimista muito intensa. Por fim, os primeiros momentos do filme são verdadeiramente angustiantes, sem falas, apenas ruídos, e trocas de olhares entre os personagens, com Léa Garcia atuando de forma primorosa.
Acredito que este possa ser visto como um verdadeiro cinema poesia proposto por Pasolini em 1965 e, discutido, por exemplo, em Pier Paolo Pasolini e o Cinema como Poesia de Ana Paula Schlesener, em artigo de 2010 publicado na revista Analecta (http://www.unicentro.br/editora/revistas/analecta/v7n1/Pier%20Paolo%2010.pdf).
Saí da sala de cinema em êxtase. Mas, parece que as forças do acaso conspiravam para meu estado de espírito continuar poético. No carro, voltando para casa, ligo o rádio e ouço Vanessa da Matta fazendo uma interpretação belíssima de O que será de Chico Buarque (http://www.vagalume.com.br/vanessa-da-mata/o-que-sera.html), música tema de Dona Flor e seus dois maridos. Adaptação de romance de Jorge Amado, o filme dirigido por Bruno Barreto, foi lançado em 1976, tornando-se um dos grandes sucessos do cinema brasileiro daquele ano. Dele participaram José Wilker, Mauro Mendonça e Sonia Braga, formando o triângulo amoroso entre Dona Flor e um marido vivo e outro morto. A letra de O que será é uma das melhores manifestações poéticas de Chico Buarque.
Por fim, parando na garagem de meu prédio, o rádio tocava Zeca Baleiro cantando Disritmia (http://www.kboing.com.br/musica-e-letra/zeca-baleiro/88640-disritmia/). Poesia em música! Assim, terminou minha jornada poética em plena terça-feira de Carnaval.
NAGIB, Lúcia A utopia no cinema brasileiro: matrizes, nostalgia, distopias. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
SCHLESENER, Ana Paula Pier Paolo Pasolini e o Cinema como Poesia. Analecta, v.7, n. 1, p. 141-149, 2006.

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