Fui assistir a Sudoeste, filme de Eduardo Nunes de 2011 realizado em preto e branco narra um dia na vida de Clarice, dia que contém toda sua vida. Mágico, fantástico, poético, o filme me prendeu do começo ao fim com a presença de Simone Spoladore, Dira Paes e Léa Garcia. Com roteiro do próprio Eduardo Nunes com Guilherme Sarmiento e fotografia espetacular de Mauro Pinheiro Jr, o filme narra como "numa vila isolada do litoral brasileiro onde tudo parece imóvel, Clarice percebe a sua vida durante um único dia, em descompasso com as pessoas que ela encontra e apenas vivem aquele dia como outro qualquer. Ela tenta entender a sua obscura realidade e o destino das pessoas a sua volta num tempo circular que assombra e desorienta" (http://www.cineclick.com.br/filmes/ficha/nomefilme/sudoeste/id/17842).
Em certos momentos, o filme me fez lembrar outras produções recentes do cinema brasileiro que, assisti nos últimos três meses, muito me agradando: Curitiba Zero Grau, Circular, produções paranaenses e O Som ao Redor, produção pernambucana. Os quatro filmes, de certa forma, ao abordarem temas distintos, trazem, também, uma mensagem de esperança na utopia: a poética de O Sudoeste; a otimista de Curitiba Zero Grau; a desconfiada de Circular; e a vingativa de O Som ao Redor. Cada um desses filmes, ao seu modo, encaminha uma maneira de lidar com a possibilidade de transformação positiva na vida, na sociedade, no ser humano, no mundo.
A propósito, sobre a utopia, há um livro muito bom de Lúcia
Nagib justamente intitulado A Utopia
no Cinema Brasileiro – matrizes, nostalgias e distopias. Publicado em
2006, pela Cosac Naify, nesse texto a professora Lúcia Nagib traça um panorama
da produção cinematográfica brasileira desde o Cinema Novo até a produção
contemporânea. Aliás, Alcino Leite Neto, em texto na orelha do livro, aponta
justamente que o livro tem, entre seus
méritos, o principal é estabelecer os elos e as divergências entre o cinema
novo – momento alto do modernismo no Brasil, e a produção contemporânea.
Uma lista de filmes imperdíveis da cinematografia brasileira é analisada em
seis capítulos. Os filmes brasileiros analisados são: Deus e o diabo na terra
do sol (1964), Terra em transe (1967), Terra estrangeira (1995), Corisco e Dadá
(1996), Crede-mi (1967), Brasil perfumado (1997), Abril despedaçado (2001),
Central do Brasil (1998), O primeiro dia (1999), Latitude zero (2000), Hans
Staden (1999), Como era gostoso meu francês (1970-72), Macunaíma (1969), Orfeu
(1999), Orfeu Negro (1959), Cidade de Deus (2002) e O invasor (2002).
Mas, voltando a O
Sudoeste, o filme me agradou muito pela forma de filmagem. Além de preto
e branco, muita câmara parada, com paisagens estonteantes, onde os personagens
vão entrando pelas laterais. Além disso, detalhes de peças e roupas, em close,
dando uma sensação intimista muito intensa. Por fim, os primeiros momentos do
filme são verdadeiramente angustiantes, sem falas, apenas ruídos, e trocas de
olhares entre os personagens, com Léa Garcia atuando de forma primorosa.
Acredito que este possa ser visto como um verdadeiro cinema
poesia proposto por Pasolini em 1965 e, discutido, por exemplo, em Pier Paolo Pasolini e o Cinema como Poesia
de Ana Paula Schlesener, em artigo de 2010 publicado na revista Analecta (http://www.unicentro.br/editora/revistas/analecta/v7n1/Pier%20Paolo%2010.pdf).
Saí da sala de cinema em êxtase. Mas, parece que as forças do
acaso conspiravam para meu estado de espírito continuar poético. No carro,
voltando para casa, ligo o rádio e ouço Vanessa da Matta fazendo uma
interpretação belíssima de O que será
de Chico Buarque (http://www.vagalume.com.br/vanessa-da-mata/o-que-sera.html),
música tema de Dona Flor e seus dois
maridos. Adaptação de romance de Jorge Amado, o filme dirigido por Bruno
Barreto, foi lançado em 1976, tornando-se um dos grandes sucessos do cinema
brasileiro daquele ano. Dele participaram José Wilker, Mauro Mendonça e Sonia
Braga, formando o triângulo amoroso entre Dona Flor e um marido vivo e outro
morto. A letra de O que será é uma das melhores manifestações poéticas de Chico
Buarque.
Por fim, parando na garagem de meu prédio, o rádio tocava
Zeca Baleiro cantando Disritmia (http://www.kboing.com.br/musica-e-letra/zeca-baleiro/88640-disritmia/).
Poesia em música! Assim, terminou minha jornada poética em plena terça-feira de
Carnaval.
NAGIB, Lúcia A utopia no cinema brasileiro: matrizes,
nostalgia, distopias. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
SCHLESENER, Ana Paula Pier Paolo Pasolini e o Cinema como
Poesia. Analecta, v.7, n. 1, p. 141-149, 2006.
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