domingo, 1 de setembro de 2019

A volta ao mundo do cinema brasileiro em 80 filmes 10 - O corpo é nosso

Domingo chuvoso! Friozinho me atraiu para a cama. Depois daquela soneca, acordei disposto a retomar esta viagem! Esta retomada estava planejada desde ontem de manhã. Sábado pela manhã, sempre que posso, vou às sessões especiais do Clube do Professor oferecidas pelo Itaú Cinema. Ontem, na programação o documentário O Corpo é Nosso dirigido por Theresa Jessouron. A princípio pensei em deixar passar, mas, estimulado por Edra que se interessou pelo tema, acabei concordando. Lá fomos nós. Ainda bem que não perdemos a oportunidade!
Brilhantemente executado, o filme aborda temática do feminismo orientado especialmente por um olhar para a questão do corpo da mulher negra e sua ligação com a música brasileira. O documentário é também composto por trechos de ficção em que se conta a história de jornalista, homem, que recebe a tarefa de escrever reportagem sobre o feminismo. Inicialmente ele resiste à ideia que lhe é determinada por seu editor-chefe, inclusive por uma questão de lugar de fala. Mas, ao final não tem como deixar de cumprir esta missão que lhe trará uma surpresa sobre parte de seu passado, até então desconhecido para ele mesmo.

O documentário, assim, segue esta tendência contemporânea de misturar realidade e ficção. Theresa Jessouron faz isto com maestria. O filme é uma peça híbrida - docudrama - em que além do tradicional uso das entrevistas com especialistas de diversos campos do conhecimento e de mulheres que vivem o drama real da luta feminista no Brasil, faz uso também de registros de arquivos fotográficos e de trechos do cinema brasileiro para desenvolver seu argumento sobre o feminismo.
O que me chamou a atenção, além do uso de diversas fontes de informação sobre o tema, foi a forma com que realidade e ficção se misturam ao longo dos 85 minutos do filme. O excelente trabalho de montagem, e a direção dos atores que representam a parte ficcional do filme revelam, por um lado, o esforço de pesquisa na construção do roteiro sobre tema tão relevante; e por outro lado, o cuidado de dar consistência diegética a uma história que, embora ficcional, deve ter ocorrido inúmeras vezes em nossa sociedade. Há momentos em que esta mistura ocorre de forma muito bem elaborada em que documento e ficção se tornam quase indistinguiveis. Há vários trechos em que o jornalista da ficção é mostrado assitindo às gravações das entrevistas que são parte do documentário. Uma composição híbrida fantástica!
Como tenho feito nessa minha viagem, parto em busca de textos acadêmicos/científicos que tenham tratado do filme na literatura sobre cinema. Neste caso, como era esperado, não encontro nada, pois é uma produção recente lançada há pouco nos cinemas brasileiros. De qualquer forma, me lembro de texto que, na qualidade de editor, publiquei no número 3 do volume de 2019 da Revista Livre de Cinema. É o artigo Feminismo em cena: análise da representação das ondas feministas em documentários. Escrito por João Henriques de Sousa Júnior, Laís Mota Plácido e Samantha Barbosa Cordeiro, o texto trata da análise de conteúdo de dois documentários feministas e sua relação com as ondas do movimento feministas que as autoras identificaram na literatura: sufragismo, revolução sexual e pós-feminismo. É muito provável que O Corpo é Nosso, pelo que pude apreender do texto, se foque principalmente na terceira onda, o pós-feminismo
Mas, minha busca no google acadêmico evidencia que o tema do feminismo associado ao cinema brasileiro já foi explorado em outros momentos. Assim, por exemplo, cito os textos de Calegari (2009), Tedesco (2012), Silva (2012) e Klanovicz (2006). 
Mantendo o padrão dessa viagem, encerro com informações sobre o filme:


Sinopse: O CORPO É NOSSO! é um documentário sobre a trajetória da liberação do corpo da mulher brasileira. Utilizando-se do docficção, o filme incorpora o drama do jornalista Marcos que, na sua pesquisa, faz uma descoberta impactante sobre seu passado. Ao assistir as entrevistas e o material deste filme, em um exercício de metalinguagem, ele faz uma autorreflexão sobre o racismo e o machismo impregnados nele e na sociedade. O filme mescla entrevistas, cenas ficcionais e imagens de arquivo que ilustram os fatores que contribuíram para esta liberação e propõe uma discussão sobre o feminismo através da desconstrução do masculino (https://filmow.com/o-corpo-e-nosso-t281437/ficha-tecnica/)

Ficha técnica:
Roteiro: Jorge Duran/Theresa Jessouroun
Direção: Theresa Jessouroun
Elenco: Renato Góes/Roberta Rodrgiues/Heitor Martinez/Oscar Magrini
Produtores: Sabrina Bittencourt/Theresa Jessouroun
Ano de lançamento: 2019

Referências:

CALEGARI, L. C. A mulher no cinema brasileiro e a tentativa de afastamento da heteronormatividade. Diálogos Latinoamericanos, n. 15, 20 p., 2009.

Klanovicz, L. R. F. Corpos erotizados: entre a morena brasileira e a loira americana (cinema das décadas de 80 e 90). Artemis, v. 4, p. 1-21, 2006.

Silva. A. da Quando as mulheres filmam: história e gênero no cinema dos anos da ditadura. Revista Esboços, v. 19, n. 27, p. 14-31, 2012.

Souza Júnior, J. H. de; Plácido, L. M.; Cordeiro, S. B. Feminismo em cena: análise da representação das ondas feministas em documentários. Revista Livre de Cinema, v. 6, n. 3, p. 119-147, 2019.

Tedesco, M. C. Da esfera privada à realização cinematográfica: a chegada das mulheres latino-americanas ao posto de diretoras de cinema. Extraprensa, a. vi, n. 10, p. 97-105, 2012.