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Essa a volta ao mundo do cinema brasileiro está
sendo mais lenta do que eu imaginara. Mas, nessa altura da vida, quem é que tem
pressa? Deixo o acaso me levar aos destinos incertos dessa viagem. Hoje, voltei
a 1977 com o filme de Paulo César Saraceni, Anchieta,
José do Brasil.
Ao contrário do que ocorreu nas outras paradas
dessa viagem, hoje tudo começou com a leitura de um artigo publicado na revista
Significação de 2013. Neste artigo,
Carlos Eduardo Pinto de Pinto analisa o filme de Saraceni, demonstrando as
divergentes leituras que o filme teve quando de seu lançamento. Nas palavras do
próprio:
A obra trata da biografia de José de Anchieta e da
miscigenação cultural, temas caros à ditadura civil-militar instaurada em 1964,
mas assume perspectivas diegética e narrativa em parte contrárias à visão
conservadora. Não se trata, de forma alguma, de um filme absolutamente
contestador, mas de uma obra ambígua, que desliza e se adequa às polaridades
mobilizadas em seu circuito social, que não eram poucas. Afinal, a obra foi
disputada pela Embrafilme, empresa estatal de cinema que a coproduziu e
distribuiu; pela Igreja Católica, interessada na beatificação de Anchieta; pelo
Cinema Novo — em fase de revisão de seus postulados políticos e estéticos —,
por parte tanto de Saraceni quanto de alguns de seus pares, que questionavam
suas intenções ao realizar a obra; finalmente, por críticos e teóricos,
voltados para a discussão da natureza do filme histórico, num esforço de
definição do gênero e de sua importância no cenário da produção cinematográfica
brasileira da década (PINTO, 2013, p. 76-77)
Como informa Pinto (2013), Anchieta, José do Brasil foi o primeiro filme histórico do Cinema
Novo Brasileiro e contou com financiamento da EMBRAFILME em uma época em que o
governo militar estimulava, na gestão de Ney Braga no Ministério da Educação, o
resgate da história brasileira. Foi nessa época, cinco anos antes que surgiu o
polêmico Independência ou Morte
dirigido por Carlos Coimbra, encomenda governamental para celebrar os 150 anos
da independência brasileira.
O filme narra a vida do jesuíta José de Anchieta e
foi protagonizado por Ney Latorraca. Com duas horas e vinte minutos de duração,
um pouco longo para os padrões atuais de longas-metragens, o filme me encantou
pela diversidade de enquadramentos e estilos narrativos, alternando trechos
narrados por Latorraca como Anchieta, com longos trechos de diálogos em
tupi-guarani, sem nenhuma tradução, e poucos trechos com diálogos entre os
vários personagens históricos apresentados no filme. Embora, a narrativa siga
um padrão linear, com introdução, desenvolvimento e desfecho, as soluções
imagísticas forma muito diversas entre os vários segmentos da his(es)tória.
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Em uma nota puramente pessoal, fiquei surpreso ao
ver o famoso Quadrado de Trancoso na Bahia com sua igreja ser utilizado como
cenário para um desfile de depoimentos de vários personagens saídos de dentro da
igreja. Conheci Trancoso no ano passado e, me surpreendi, com a quantidade de
pequenas casas que formavam o Quadrado de 40 anos atrás. Hoje em dia, estas são
em um número muito menor.
Anchieta
foi o oitavo filme na carreira de Saraceni, segundo consta no IMDB. Antes
desse, ele havia realizado dois curtas – Arraial
do Cabo (1960) e Integração Racial
(1964) – sete longas: Amor, Carnaval e
Sonhos (1973); A Casa Assassinada
(1971); Capitu (1968); O Desafio (1966); e Porto das Caixas (1963). Saraceni ainda
dirigiu mais seis filmes antes de sua morte em 2012.
Outro texto que faz uma análise do filme de
Saraceni foi escrito por Eliane Cristina Deckmann Fleck e Fernanda Uarte de
Matos com publicação em 2010 na revista Em
Tempo de Histórias. A intenção das autoras com o texto pode ser
compreendedia por meio desse trecho que reproduzo:
tendo presente que é preciso estar atentos aos
interesses dos grupos que forjam as representações do mundo social e que estas
se encontram nas matrizes dos discursos e nas práticas sociais evidenciadas –
inclusive, no cinema –, ao analisarmos o filme Anchieta, José do Brasil,
procuramos priorizar as relações que podem ser estabelecidas entre o pensamento
e a atuação do personagem protagonista; as relações entre o projeto que o
Estado tinha para o filme, a sua produção por Paulo César Saraceni e as
críticas que recebeu, observando, sobretudo, o contexto político brasileiro na
década de setenta no qual o longa-metragem foi produzido e comercializado
(FLECK; MATOS, 2010, p. 110).
Em suma, um filme que merece ser (re)visto e dois
textos que merecem ser (re)lidos.
Referências
Fleck, Eliane Cristina Deckmann; Matos, Fernanda
Uarte de Anchieta, José do Brasil: cinema, representação e memória em tempos de
ditadura militar. Em Tempo de Histórias,
n. 16, p. 107-130, 2010.
Pinto, Carlos Eduardo Pinto de Sob o signo da
ambuiguidade: uma análise de Anchieta, José do Brasil. Significação, v. 40, n. 40, p. 74-05, 2013.