sábado, 22 de agosto de 2020

A volta ao mundo do cinema brasileiro em 80 filmes 11: Vera de Sergio Toledo

Na retomada desta viagem, começo com Vera, filme de 1986 dirigido por Sergio Toledo, que também assinou como Sergio Segall em outros filmes que escreveu e dirigiu antes deste (A força do sexo Braços cruzados, Máquinas Paradas). Em Vera, Sergio Toledo narra a história, supostamente ficcional, de Vera Bauer, interpretada por Ana Beatriz Nogueira, órfã que morava em uma instituição social para acolhimento de menores, que ao completar 18 anos tem que sair do abrigo. Ela é acolhida por um professor, Paulo (Raul Cortez), que lhe consegue emprego em uma instituição que parece ser um centro cultural. No entanto Vera prefere ser chamada de Bauer pois se considera um homem. 

A sinopse disponível no site Adoro Cinema assim apresenta o filme: "Uma menina luta para encontrar seu lugar num mundo cada vez mais complexo e hostil. Órfã, passa a adolescência num internato onde, aos poucos, começa a desenvolver uma personalidade masculina e a se impor às outras meninas. Aos dezoito anos, sai do internato e, com a ajuda de um professor, consegue arranjar emprego e começar a vida. No trabalho, conhece Clara (Aida Leiner) e tenta se aproximar dela. As duas se tornam amigas e Vera (Ana Beatriz Nogueira) radicaliza seu comportamento, tentando convencer Clara de que é um homem, vestindo-se e comportando-se como tal" (http://www.adorocinema.com/filmes/filme-204460/).

A paleta de cores escolhida para o filme é predominantemente baseada nas cores frias, em especial o azul, o que lhe dá um aspecto sombrio. Além disso, muitas cenas foram realizadas em condições de baixa luminosidade acentuando esse caráter sombrio do filme que, em minha opinião, se ajusta ao conflito de identidade por que passa a personagem central da trama, bem como me induziu a perceber uma potencial impossibilidade de final feliz para a história.

Apesar de em alguns momentos haver uma certa lentidão na narrativa, o filme flui bem, se alternando entre momentos da vida fora do abrigo (presente) com flashbacks da vida no abrigo. Esse ir e vir entre tempos distintos ajuda na percepção da forma como, com o decorrer do tempo, Vera se afasta do gênero feminino para se afirmar cada vez mais como homem, assumindo inclusive traços do estereótipo do homem forte e dominador do sexo oposto. Curiosamente, a montagem fez uso de reproduções de filmagens sobre lançamentos de foguetes e conflitos bélicos, que foram intercaladas com as cenas de passado e presente da história que é contada. Seriam representações do estereótipo masculino também?

Beatriz Muffo e Caio Marchi, em texto de 2015, sintetizam na análise da última cena, que não vou contar aqui para evitar um spoiler, que esta "parece exteriorizar para os espectadores um pouco de seu conflito interno (da personagem), fundamentado pela angústia de que por mais que subverta as percepções de gênero e reivindique sua identidade masculina, existe a possibilidade de ser constantemente subjugada e que o seu sexo, ou biologia, sejam sempre considerados o seu “destino”, ou seja, que esteja sempre presa no gênero que seu corpo presume" (p. 13).

Quanto ao suposto caráter ficional do filme, embora este seja afirmado na abertura do filme, Marcus Rogério Salgado, em texto de 2016, informa que este  foi baseado na vida  e  no livro A queda para o alto, que considera obra pioneira de autor transexual (Sandra Mara Herzer, que adotou o  nome social  de  Anderson  Herzer). No entanto, este é um mero detalhe que não afeta a qualidade do filme de Sergio Toledo.

Referências:

MUFFO, Beatriz ; MARCHI, Caio (2015) Representação do Transexual no filme brasileiro “Vera”, XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, Rio de Janeiro, RJ, 4 a 7/9/2015.

SALGADO, Marcus Rogério (2016) Do silêncio à vertigem: a escrita autobiográfica de Herzer, Jangada: Colatina/Chicago, n. 8, jul-dez, p. 5-21.