sábado, 29 de março de 2014

O Baile de Ettore Scola

Nove mulheres, uma por vez, entram em um salão de danças, quase todas se miram em um espelho, ajeitam um detalhe de vestimenta, cabelo ou maquiagem e dirigem-se a oito mesas, com duas cadeiras cada. Apenas duas compartilham a mesma mesa. Em seguida, onze homens entram em fila indiana no mesmo salão, depois de caminharem ao lado das mesas com as mulheres, passam em frente ao mesmo espelho, ajeitam-se de forma semelhante às mulheres e dirigem-se ao balcão do bar que fica em um dos lados do salão que tem a forma de um quadrilátero. A música que tocava a partir de um toca-discos chega ao final, o barman desliga o toca-discos e acena para o líder da banda que começa a tocar. Os homens, nem todos, vão ao encontro das mulheres e as convidam para dançar. Casais circulam pelo salão de danças. De repente, em frente ao espelho, o casal mais velho se enxerga. Um flashback nos leva em uma viagem pelo tempo, para 1936 no mesmo salão, onde estão os mesmos personagens mais jovens, celebrando a vitória da Frente Popular nas eleições parlamentares da França naquele ano.

A partir desse momento, O Baile de Ettore Scola nos leva por uma jornada musical de aproximadamente meio século, narrando um pouco da história francesa desde a ocupação nazista até o inicio dos anos 80. Um cuidadoso trabalho de direção de atores, com uma preocupação acentuada no registro de expressões faciais em close e passos de dança muito bem ensaiados, uso de diferentes matizes de cores ao longo dos anos que vão sendo representados, e músicas francesas e estrangeiras fazem com que nos esqueçamos que o filme não tem diálogos.

Uma história é narrada de forma cinematográfica apenas com o uso de imagens, sons e música. A passagem de um momento histórico para outro é marcada por uma fotografia em preto e branco que vai se juntar às outras que já estavam nas paredes do salão de danças. Trabalho cuidadoso de figurino, maquiagem e cenário completam a beleza desse filme que foi agraciado com o Urso de Prata no Festival de Berlim em 1984 e, também, o Prêmio César nas categorias e melhor diretor, filme francês e trilha sonora.

Assim que acabo de assisti-lo em casa, sinto vontade de registrar minhas impressões sobre esse filme que não me lembro de ter visto à época de seu lançamento. É muito provável que minha memória não esteja me enganando, pois à época de seu lançamento estava fazendo meu mestrado em Administração em São Paulo. Nessa época não sobrava muito tempo para ir ao cinema.

Trinta e um anos após seu lançamento, me maravilho com a precisão dessa narrativa cinematográfica e a sua ousadia de formato. Não posso negar que o uso dos reflexos em muitas cenas é o que me cativou mais nesse filme. Ver uma imagem através de espelhos, janelas e outras superfícies com capacidade de reflexão me dão prazer estético que não consigo explicar. Talvez, seja um efeito de minha vontade de entender o mundo que me cerca sabendo que o que vejo é apenas um pálido reflexo de uma realidade muito complexa. Mas, é o conjunto de cores, movimentos coreografados e expressões faciais que fazem esse filme marcante.

No meio de minhas reflexões sobre o filme, sinto uma curiosidade enorme de saber o que já falaram dele. Graças à INTERNET, parto em busca de trabalhos acadêmicos que tenham abordado esse filme de Ettore Scola. Por ser um filme adaptado de uma peça teatral com uma perspectiva histórica baseada em música, minha busca na INTERNET revelou um conjunto de textos de diversas áreas do conhecimento, nos quais o filme de Scola é mencionado como parte de um argumento maior. No entanto, não consegui ter acesso a nenhum texto que discutisse o filme de Scola a partir de um enfoque puramente cinematográfico.

Entre os textos encontrados, há discussões sobre a utilização de filmes no ensino de história, na distinção entre cinema e teatro a partir de uma abordagem filosófica, a possibilidade de confluência entre as diversas escritas das artes e uma revisão sobre a produção científica relacionada à música de cinema. Por exemplo, Casa Nova (2001) ao fazer uma aproximação do cineasta com o escritor, aborda o filme de Scola apontando que O Baile mostra como o gestual é cinema e, simultaneamente, cena teatral (p. 74). Por outro lado, o filme de Scola foi utilizado como um dos objetos de estudo na construção de uma peça de teatro dança (SCIALOM, 2010). Campos (1993) faz uma análise intertextual de um capítulo de Esaú e Jacó de Machado de Assis, o que trata do histórico Baile da Ilha Fiscal na passagem do século 19 para o 20, contrastando-o com O Baile e E La Nave Va de Fellini. Por fim, o filme de Scola é mencionado, en passant por Stilwell (2002), Mathias (2007) e Macheret (2013). Leituras interessantes, mas ainda fiquei com vontade de conhecer algum texto que fizesse, por exemplo, uma análise fílmica de O Baile.

P.S.: Depois de publicar esse post, achei um texto interessante na internet em outro blog:
http://tododiaumfilme.blog.com/2011/09/14/o-baile/

CAMPOS, Maria Consuelo Cunha (1993) Dançando sobre um vulcão: o baile , o fim de festa. Letras, n. 6, p. 109-114.

CASA NOVA, Vera (2001) Fricções. Aletria: Revista de Estudos de Literatura, v. 8, n. 1, p. 72-76.

MACHERET, Gabriela (2013) Vinculaciones entre el pensamento filosófico y la práctica artística. Relaciones entre cine y teatro. Revista TOMA UNO, n. 2, p. 33-48.

MATHIAS, Yehoshua (2007) Cultivating Historical Literacy in a Post-Literate Age: Historical Movies in Classroom. Journal of Research in Teacher Education, n. 4, p. 37-54.

SCIALOM, Melina (2010) “Para que servem as estrelas?”: um estudo sobre as interfaces do teatro-dança. R. Cient./FAP, v. 5, p. 191-205.

STILWELL, Robynn J. (2002) Music in Films: A Critical Review of Literature, 1980-1996. The Journal of Film Music, v.1, n.1, p. 19-61.

domingo, 23 de março de 2014

REVISTA LIVRE DE CINEMA

A Revista Livre de Cinema estreiou. 

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