Nove
mulheres, uma por vez, entram em um salão de danças, quase todas se miram em um
espelho, ajeitam um detalhe de vestimenta, cabelo ou maquiagem e dirigem-se a
oito mesas, com duas cadeiras cada. Apenas duas compartilham a mesma mesa. Em
seguida, onze homens entram em fila indiana no mesmo salão, depois de
caminharem ao lado das mesas com as mulheres, passam em frente ao mesmo
espelho, ajeitam-se de forma semelhante às mulheres e dirigem-se ao balcão do
bar que fica em um dos lados do salão que tem a forma de um quadrilátero. A
música que tocava a partir de um toca-discos chega ao final, o barman desliga o
toca-discos e acena para o líder da banda que começa a tocar. Os homens, nem
todos, vão ao encontro das mulheres e as convidam para dançar. Casais circulam
pelo salão de danças. De repente, em frente ao espelho, o casal mais velho se
enxerga. Um flashback nos leva em uma viagem pelo tempo, para 1936 no mesmo
salão, onde estão os mesmos personagens mais jovens, celebrando a vitória da
Frente Popular nas eleições parlamentares da França naquele ano.
A partir
desse momento, O Baile de Ettore
Scola nos leva por uma jornada musical de aproximadamente meio século, narrando
um pouco da história francesa desde a ocupação nazista até o inicio dos anos
80. Um cuidadoso trabalho de direção de atores, com uma preocupação acentuada
no registro de expressões faciais em close e passos de dança muito bem
ensaiados, uso de diferentes matizes de cores ao longo dos anos que vão sendo
representados, e músicas francesas e estrangeiras fazem com que nos esqueçamos
que o filme não tem diálogos.
Uma história
é narrada de forma cinematográfica apenas com o uso de imagens, sons e música.
A passagem de um momento histórico para outro é marcada por uma fotografia em
preto e branco que vai se juntar às outras que já estavam nas paredes do salão
de danças. Trabalho cuidadoso de figurino, maquiagem e cenário completam a
beleza desse filme que foi agraciado com o Urso de Prata no Festival de Berlim
em 1984 e, também, o Prêmio César nas categorias e melhor diretor, filme
francês e trilha sonora.
Assim que
acabo de assisti-lo em casa, sinto vontade de registrar minhas impressões sobre
esse filme que não me lembro de ter visto à época de seu lançamento. É muito
provável que minha memória não esteja me enganando, pois à época de seu
lançamento estava fazendo meu mestrado em Administração em São Paulo. Nessa
época não sobrava muito tempo para ir ao cinema.
Trinta e um
anos após seu lançamento, me maravilho com a precisão dessa narrativa
cinematográfica e a sua ousadia de formato. Não posso negar que o uso dos
reflexos em muitas cenas é o que me cativou mais nesse filme. Ver uma imagem
através de espelhos, janelas e outras superfícies com capacidade de reflexão me
dão prazer estético que não consigo explicar. Talvez, seja um efeito de minha
vontade de entender o mundo que me cerca sabendo que o que vejo é apenas um
pálido reflexo de uma realidade muito complexa. Mas, é o conjunto de cores,
movimentos coreografados e expressões faciais que fazem esse filme marcante.
No meio de
minhas reflexões sobre o filme, sinto uma curiosidade enorme de saber o que já
falaram dele. Graças à INTERNET, parto em busca de trabalhos acadêmicos que
tenham abordado esse filme de Ettore Scola. Por ser um filme adaptado de uma
peça teatral com uma perspectiva histórica baseada em música, minha busca na
INTERNET revelou um conjunto de textos de diversas áreas do conhecimento, nos
quais o filme de Scola é mencionado como parte de um argumento maior. No entanto,
não consegui ter acesso a nenhum texto que discutisse o filme de Scola a partir
de um enfoque puramente cinematográfico.
Entre os
textos encontrados, há discussões sobre a utilização de filmes no ensino de
história, na distinção entre cinema e teatro a partir de uma abordagem
filosófica, a possibilidade de confluência entre as diversas escritas das artes
e uma revisão sobre a produção científica relacionada à música de cinema. Por
exemplo, Casa Nova (2001) ao fazer uma aproximação do cineasta com o escritor,
aborda o filme de Scola apontando que O
Baile mostra como o gestual é cinema e, simultaneamente, cena teatral (p. 74).
Por outro lado, o filme de Scola foi utilizado como um dos objetos de estudo na
construção de uma peça de teatro dança (SCIALOM, 2010). Campos (1993) faz uma
análise intertextual de um capítulo de Esaú
e Jacó de Machado de Assis, o que trata do histórico Baile da Ilha Fiscal
na passagem do século 19 para o 20, contrastando-o com O Baile e E La Nave Va de
Fellini. Por fim, o filme de Scola é mencionado, en passant por Stilwell (2002), Mathias (2007) e Macheret (2013).
Leituras interessantes, mas ainda fiquei com vontade de conhecer algum texto
que fizesse, por exemplo, uma análise fílmica de O Baile.
P.S.: Depois de publicar esse post, achei um texto interessante na internet em outro blog:
http://tododiaumfilme.blog.com/2011/09/14/o-baile/
P.S.: Depois de publicar esse post, achei um texto interessante na internet em outro blog:
http://tododiaumfilme.blog.com/2011/09/14/o-baile/
CAMPOS, Maria Consuelo Cunha (1993)
Dançando sobre um vulcão: o baile , o fim de festa. Letras, n. 6, p. 109-114.
CASA NOVA, Vera
(2001) Fricções. Aletria: Revista de
Estudos de Literatura, v. 8, n. 1, p. 72-76.
MACHERET, Gabriela (2013) Vinculaciones
entre el pensamento filosófico y la práctica artística. Relaciones entre cine y
teatro. Revista
TOMA UNO, n. 2, p. 33-48.
MATHIAS,
Yehoshua (2007) Cultivating Historical Literacy in a Post-Literate Age: Historical
Movies in Classroom. Journal of Research
in Teacher Education, n. 4, p. 37-54.
SCIALOM,
Melina (2010) “Para que servem as estrelas?”: um estudo sobre as interfaces do
teatro-dança. R. Cient./FAP, v. 5,
p. 191-205.
STILWELL,
Robynn J. (2002) Music in Films: A Critical Review of Literature, 1980-1996. The Journal of Film Music, v.1, n.1, p.
19-61.