domingo, 27 de março de 2016

Entre Pasolini e Glauber: leituras que se conectam

Mês passado, à procura de algo para ler, encontro em minha estante um livro sobre Pasolini. Não me lembro quando o comprei, mas certamente foi em alguma viagem a São Paulo, entre um filme e outro, na livraria Cultura da Paulista ou na livraria do Itaúcultural na Augusta.
Livro publicado pela Cosac & Naify em 2002, de autoria de Maria Betânia Amoroso, surgiu em paralelo à retrospectiva dos filmes de Pasolini na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Em oito capítulos, a autora nos apresenta um retrato da vida e obra desse artista múltiplo que foi Pasolini. Ao final, o livro ainda traz uma biografia da vida e obra de Pasolini entre 1922 e 1975, ano de seu assasinato, avançando até 1998 que marca o início da publicação de sua obra completa.
Continuando ao acaso, um dia após tomar um machiatto no Café do Paço da Liberdade em Curitiba, vou ler os jornais na biblioteca. Após a leitura, fuço na seção de cinema da biblioteca do Paço. Encontro a 2a. edição da "Historiografia clássica do cinema brasileiro - metodologia e pedagogia" de Jean-Claude Bernadet. Tomo o livro emprestado que se torna meu companheiro de viagem nas idas diárias à universidade de ônibus. Esta edição é de 2008, pela Annablume Editora. Uma leitura inspiradora que redesperta em mim a vontade de conhecer mais sobre a história do cinema brasileiro. Me atrai no livro de Bernadet, a ideia de uma apresentação da história desse cinema, diversa da periodização por anos, bem como a crítica à ideia de que esta seja a história apenas da produção de filmes, dissociada dos aspectos da distribuição e exibição.
Ao devolver o livro na data marcada, encontro outro livro de Bernadet - "Brasil em tempo de cinema - ensaio sobre o cinema brasileiro de 1958 a 1966". Cedo à vontade do acaso e trago este livro para casa. Me delicio ao ver a forma como o autor narra a história desse período do cinema brasileiro, cujo começo marca meu primeiro ano de vida e o fim, meus nove anos. São tantos filmes comentados que nasce em mim, ou deveria dizer renasce, a vontade de um estudo sistemático do cinema brasileiro. É claro que Glauber Rocha tem uma presença forte nesse ensaio de Bernadet publicado originalmente em 1967.
O destino parece estar conspirando a meu favor. Ao final da tarde, leio um pouco do livro. Depois me levanto e tenho a oportunidade de, ao acaso, acessar o Canal Brasil quando está para começar mais uma sessão do "É tudo verdade", sob a curadoria de Amir Labaki, dedicado à exibição de documentários. O documentário que vejo? "Cordilheiras ao mar: a fuga do fogo bárbaro" de Geneton Moraes Neto sobre Glaubber Rocha. Foi uma ótima oportunidade de conhecer um pouco da história deste cineasta brasileiro que deixou sua marca em nossa história. 
Logo no começo do filme, alguém relata um episódio da vida de Glauber que, quando em seu exílio voluntário do Brasil, se tranca em uma sala da redação do Cahier du Cinèma e grava um diálogo ficticío com Pasolini que já não fazia parte do mundo dos vivos.
E assim, minhas leituras aleatórias se conectaram. Eu não podia deixar de registrar essa coincidência nesse blog. Quem sabe retomarei minha viagem pelo mundo do cinema brasileiro em oitenta filmes, que interrompi em agosto do ano passado. Os dois livros de Bernadet trazem uma filmografia que me guiarão nas escolhas iniciais dos filmes a serem assistidos.

Amoroso, Maria Betânia Pier Paolo Pasolini. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. 128 p.

Bernadet, Jean-Claude Historiografia clássica do cinema brasileiro: metodologia e pedagogia. 2a. edição. São Paulo: Annablume, 2008.

Bernadet, Jean-Claude Brasil em tempo de cinema: ensaio sobre o cinema brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

Cordilheiras ao mar: a fuga do fogo bárbaro, 2015. Direção: Geneton Moraes Neto.

quarta-feira, 23 de março de 2016

Lançamento de filmes brasileiros no mercado nacional em 2015: breve análise a partir de dados da ANCINE

Já se encontra disponível no site do Observatório Brasileiro do Cinema e Audiovisual, vinculado à ANCINE (http://oca.ancine.gov.br/notas_informes.php) os dados relativos ao desempenho no mercado exibidor dos filmes brasileiros em 2015. O primeiro dado positivo é que, em 2015, com o lançamento de 128 filmes, reverteu-se a tendência de queda no número de filmes observada em 2014. Em 2103, haviam sido lançados 129 filmes nacionais no mercado exibidor, com queda para 114 em 2014. A evolução do mercado produtor e exibidor de filmes brasileiros, entre 1995 e 2014, pode ser vista em outro post neste blog: http://leiturasemcinema.blogspot.com.br/2015/02/20-anos-de-cinema-brasileiro-as.html.
Em termos de gênero das produções, seguindo a classificação da ANCINE, foram 48 documentários e 80 filmes de ficção. Nenhuma animação nacional foi lançada no mercado em 2015. Mas, este gênero sempre teve uma participação mínima no mercado exibidor de filmes brasileiros. Como pode ser visto no post mencionado acima, em duas décadas, foram apenas quinze filmes de animação em comparação com 380 documentários e 725 de ficção.
De novo, percebe-se que o mercado produtor está concentrado no eixo Rio-São Paulo, com 65 filmes produzidos produtoras cariocas e 41 por produtoras paulistas. Há, ainda a presença de mais sete estados da federação na produção de 24 filmes: Bahia (2), Ceará (1), Distrito Federal (3), Minas Gerais (2), Paraíba (2), Paraná (2), Pernambuco (5), Rio Grande do Sul (6) e Santa Catarina (1). Um leitor mais atento poderá verificar que a soma chega a 130 filmes. Isto ocorre porque há filmes que tem produtoras majoritárias em dois estados brasileiros.
O mercado produtor de cinema nacional, a julgar pelos lançamentos de 2015, continua extremamente fragmentado, com a presença de 124 produtoras independentes, das quais apenas cinco conseguiram lançar três filmes e sete fizeram dois lançamentos em 2015.
Em termos gerais, estes lançamentos atraíram um público de 20.997.859 pessoas com renda de R$ 259.869.400,59. Esse números indicam um crescimento de 31,4% em público e 38,8 em bilheteria. 2015 certamente não foi um ano de crise para o cinema brasileiro!
No entanto, apesar desse números tão favoráveis, as estatísticas revelam um quadro sombrio no que diz respeito à presença do cinema brasileiro em salas de exibição. Quase 84% desses filmes foi exibido em menos de 50 salas na semana de lançamento, enquanto 55% dos filmes teve espaço em menos de 10 salas. Por outro lado, um conjunto muito pequeno teve presença na primeira semana de exibição em um número expressivo de salas. Por exemplo, apenas sete filmes foram lançados simultaneamente em mais de 500 salas de cinema no Brasil. Mesmo esse número é pequeno quando comparado ao úmero de salas existentes no Brasil. Conforme dados da ANCINE em 2015 haviam 3.013 salas no país. Ou seja, os filmes brasileiros com maior amplitude de lançamento atingiram apenas 1/6 do mercado exibidor na semana d elançamento. Por outro lado, filmes de Hollywood chegaram a ser lançados em mais de 1.000 salas ao mesmo tempo, tendo dois atingido cerca de 50% das salas (Star Wars - episódio VII em 1.505 salas) e 56% (Jogos vorazes - A Esperança - O final em 1.718 salas). Outros sete filmes entre os 20 de maior bilheteria em 2015 foram lançados em mais de 1.000 salas ao mesmo tempo.
Por fim, nessa breve análise do mercado dos filmes brasileiros lançados em 2015, aborda-se a distribuição. Este é um mercado menos fragmentado que a produção, com  a presença de 61 distribuidoras. Dessas, apenas 19 lançaram dois ou mais filmes, respondendo pelo lançamento conjunto de 85 filmes brasileiros em 2015 com a participação de 87,5% na renda de bilheteria. Entre estas se destacam a parceria Dowtown/Paris com 15 filmes e a Vitrine filmes com onze.