Em meus estudos de
cinema, faço leituras que se dividem em três focos. No primeiro, busco ler
sobre o cinema enquanto arte e manifestação da cultura em geral. O segundo foco
está centrado no entendimento dos aspectos industriais, quando leio textos
sobre produção, distribuição ou exibição e práticas organizacionais nesses
campos de atuação cinematográfica. Por fim, há o tema do apoio governamental à
arte e indústria do cinema. Neste post, apresento uma breve descrição de alguns
pontos que encontrei em cinco leituras sobre esse último foco. quatro tratam
exclusivamente de ações do governo brasileiro nesse campo. Por mera coincidência,
acabam trazendo, no seu conjunto, um panorama histórico, ainda que incompleto, desde a década de 30
até os dias atuais. A última leitura apresenta comparativo das indústrias cinematográficas
de Brasil, Argentina e México e ao final sugere políticas
intergovernamentais, salientando a relevância de cooperação latino-americana nesse setor para desenvolvimento da arte e indústria da chamada imagem em movimento..
Almeida (1999) analisou a relação entre os
produtores cinematográficos brasileiros e o Estado na criação de órgãos de
incentivo e proteção ao cinema nacional. Com base nas experiências de
utilização do cinema como instrumento de educação e propaganda na Alemanha,
Itália e URSS, os produtores brasileiros conseguiram de Getúlio Vargas, durante
o Estado Novo (1937-1945), a edição do decreto-lei nº 21.240, de quatro de
abril de 1932 que determinava a redução
das tarifas alfandegárias para filmes virgens e impressos, a nacionalização da
censura e a criação de três novas instituições culturais: a Revista Nacional de
Educação, o Instituto Cinematográfico Educativo, e um “órgão técnico, destinado
não só a orientar a utilização do cinematógrafo, assim como dos demais
processos técnicos, que sirvam como instrumentos de difusão cultural”
(ALMEIDA, 1999, p. 122).
Mais tarde, em 1934,
com a criação do Departamento de Propaganda e Difusão Cultura (DPDC)l, segundo
Almeida (1999), os produtores conseguiram o estabelecimento de estímulos à
produção e distribuição do cinema brasileiro. No entanto, o próprio DPDC, a
partir de 1938, passa a produzir o Cinejornal
Brasileiro, que iria disputar com os produtores nacionais o espaço
obrigatório de apresentação de curtas nacionais nas salas brasileiras (ALMEIDA,
1999, p. 127). Assim, embora tenham sido criados mecanismos de apoio ao cinema
nacional, seus produtores não conseguiram fazer uso pleno dos mesmos naqueles
anos.
Amâncio (2007)
apresenta um breve histórico da atuação da Embrafilme no que considerou um
pacto cinema-estado que articulou interesses desenvolvimentistas do governo
militar nos anos 70, embora com ênfase exportadora, com a defesa e promoção da
atividade de produção e distribuição do cinema brasileiro. Tendo seu período
mais forte até o final da década de 70, nos anos 80 a empresa enfrentaria a
crise econômica o que acarretou a diluição do crescimento, culminado no começo
dos anos 90 com a extinção da empresa e de todo o aparato construído nas duas
décadas anteriores de fomento ao cinema brasileiro.
O período entre a
extinção da Embrafilme e a criação da ANCINE, em 2002, recebeu comentários de
Estevinho (2009). No texto, o autor lembra que, em setembro de 1999, foi
constituído o GEDIC – Grupo Executivo da Indústria Cinematográfica, composto
por representantes de alguns ministérios, representantes das emissoras de
televisão e cineastas. Fruto das discussões desse grupo, surgirá em 2002, a
ANCINE, que retomaria “as ambições desenvolvimentistas que atravessaram a
história do cinema brasileiro desde o final dos anos 1960” (ESTEVINHO, 2009, p.
127), embora houvesse um conflito entre um grupo que enfatizava a vinculação da
indústria cinematográfica com a indústria da TV e outro que ressaltava os
aspectos culturais da arte do cinema e valorizava sua autonomia, cabendo ao
Estado um papel de viabilizador dessa atividade cultural. Segundo Estevinho
(2009, p. 128), a ANCINE foi criada reforçando a posição do segundo grupo com
objetivos bem delimitados “fomento à produção e regulação do mercado
audiovisual com a construção de uma indústria cinematográfica autossustentável
no país”.
O impacto da Lei
12.485/2011 sobre a produção audiovisual brasileira, a chamada Lei da TV Paga,
é analisada por Costa (2015). Em seu texto, a autora argumenta que
“a
lei tem, em parte, conseguido atingir seu objetivo de aumentar a penetração da
TV paga no Brasil, provocando uma formação de mercado interno que poderá ser um
trunfo para a produção independente. Para o cinema independente, a medida
provou-se favorável. No entanto, não é possível mensurar, ainda, os efeitos
reais sobre a dinamização e diversificação do mercado (operadores, tipos de
produtos e quantidade) (p. 378).
Simis (2015) faz
análise comparativa das indústrias cinematográficas no Brasil, Argentina e
México que passaram por crises semelhantes com queda de produção, público e
presença dos seus cinemas nacionais nas salas de cinema, além de transformação
no mercado exibidor com o surgimento dos multiplex. Ao apontar as
transformações que o setor cinematográfico sofreu entre os anos 80 e 90, com
reflexos que são sentidos atualmente, a autora observa que a baixa presença da
cinematografia nacional desses países em seus mercados exibidores reflete uma
mudança radical na forma de exploração do filme. Esta mudança se associa ao
surgimento do que a autora denomina neoliberalismo extremo do comércio
cinematográfico, em que
houve
um processo de desmantelamento do esquema tradicional de exibição, onde de
alguma forma o cinema nacional tinha algum espaço para ser produzido e visto, e
por outro lado um aumento constante no número atual de salas, mas sem nenhum
vínculo com a produção de filmes nacional (p. 69).
Assim, as práticas de
exibição no mercado cinematográfico passaram do que a autora chama de uma
exploração em profundidade para uma de exploração em extensão. A primeira forma
passava por uma sequência de salas começando “nas salas dos cinemas das
metrópoles do Primeiro Mundo, seguida das salas no centro das grandes cidades
dos países periféricos, e depois, para as salas situadas nos bairros e cidades
do interior” (p.71). Enquanto que a exploração em extensão se relaciona com a utilização
simultânea de um grande número de salas, acompanhada de um intenso esforço de
publicidade. Isto segundo a autora, “dificulta a inserção do filme local, cujo
marketing se resume muitas vezes ao boca a boca” (p. 71). Ao final do texto, a
autora sugere a necessidade de políticas intergovernamentais como parte de
esforços de revisão da forma de organização da indústria cinematográfica nesses
países com ênfase na distribuição e exibição.
Referências
ALMEIDA, C. A. O cinema brasileiro no estado
novo: o diálogo com a Itália, Alemanha e URSS. Revista de Sociologia e Política, n. 12. P; 121-129, 1999.
AMÂNCIO, TUNICO Pacto cinema-Estado: os anos
Embrafilme. Alceu, v. 8, n. 15, p. 173-184, 2007.
COSTA, MANNUELA RAMOS DA Cinema, ao fim e ao
cabo. Primeiras impressões sobre o impacto da Lei 12.485/2011, a Lei da TV
paga, no Brasil. Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, v.4, n.
7, p. 356-380, 2015.
ESTEVINHO, TELMO ANTONIO DINELLI Cinema e
política no Brasil: os anos da retomada. Aurora,
n. 5, p. 120-130, 2009.
SIMIS, ANITA Economia política do cinema: a
exibição cinematográfica na Argentina, Brasil e México. Versión Estudios de Comunicación y Política, n. 36, p. 54-75, 2015.