domingo, 2 de outubro de 2016

Política de Fomento ao Cinema: anotações de leituras

Em meus estudos de cinema, faço leituras que se dividem em três focos. No primeiro, busco ler sobre o cinema enquanto arte e manifestação da cultura em geral. O segundo foco está centrado no entendimento dos aspectos industriais, quando leio textos sobre produção, distribuição ou exibição e práticas organizacionais nesses campos de atuação cinematográfica. Por fim, há o tema do apoio governamental à arte e indústria do cinema. Neste post, apresento uma breve descrição de alguns pontos que encontrei em cinco leituras sobre esse último foco. quatro tratam exclusivamente de ações do governo brasileiro nesse campo. Por mera coincidência, acabam trazendo, no seu conjunto, um panorama histórico, ainda que incompleto, desde a década de 30 até os dias atuais. A última leitura apresenta comparativo das indústrias cinematográficas de Brasil, Argentina e México e ao final sugere políticas intergovernamentais, salientando a relevância de cooperação latino-americana nesse setor para desenvolvimento da arte e indústria da chamada imagem em movimento..
 Almeida (1999) analisou a relação entre os produtores cinematográficos brasileiros e o Estado na criação de órgãos de incentivo e proteção ao cinema nacional. Com base nas experiências de utilização do cinema como instrumento de educação e propaganda na Alemanha, Itália e URSS, os produtores brasileiros conseguiram de Getúlio Vargas, durante o Estado Novo (1937-1945), a edição do decreto-lei nº 21.240, de quatro de abril de 1932 que determinava a redução das tarifas alfandegárias para filmes virgens e impressos, a nacionalização da censura e a criação de três novas instituições culturais: a Revista Nacional de Educação, o Instituto Cinematográfico Educativo, e um “órgão técnico, destinado não só a orientar a utilização do cinematógrafo, assim como dos demais processos técnicos, que sirvam como instrumentos de difusão cultural” (ALMEIDA, 1999, p. 122).
Mais tarde, em 1934, com a criação do Departamento de Propaganda e Difusão Cultura (DPDC)l, segundo Almeida (1999), os produtores conseguiram o estabelecimento de estímulos à produção e distribuição do cinema brasileiro. No entanto, o próprio DPDC, a partir de 1938, passa a produzir o Cinejornal Brasileiro, que iria disputar com os produtores nacionais o espaço obrigatório de apresentação de curtas nacionais nas salas brasileiras (ALMEIDA, 1999, p. 127). Assim, embora tenham sido criados mecanismos de apoio ao cinema nacional, seus produtores não conseguiram fazer uso pleno dos mesmos naqueles anos.
Amâncio (2007) apresenta um breve histórico da atuação da Embrafilme no que considerou um pacto cinema-estado que articulou interesses desenvolvimentistas do governo militar nos anos 70, embora com ênfase exportadora, com a defesa e promoção da atividade de produção e distribuição do cinema brasileiro. Tendo seu período mais forte até o final da década de 70, nos anos 80 a empresa enfrentaria a crise econômica o que acarretou a diluição do crescimento, culminado no começo dos anos 90 com a extinção da empresa e de todo o aparato construído nas duas décadas anteriores de fomento ao cinema brasileiro.
O período entre a extinção da Embrafilme e a criação da ANCINE, em 2002, recebeu comentários de Estevinho (2009). No texto, o autor lembra que, em setembro de 1999, foi constituído o GEDIC – Grupo Executivo da Indústria Cinematográfica, composto por representantes de alguns ministérios, representantes das emissoras de televisão e cineastas. Fruto das discussões desse grupo, surgirá em 2002, a ANCINE, que retomaria “as ambições desenvolvimentistas que atravessaram a história do cinema brasileiro desde o final dos anos 1960” (ESTEVINHO, 2009, p. 127), embora houvesse um conflito entre um grupo que enfatizava a vinculação da indústria cinematográfica com a indústria da TV e outro que ressaltava os aspectos culturais da arte do cinema e valorizava sua autonomia, cabendo ao Estado um papel de viabilizador dessa atividade cultural. Segundo Estevinho (2009, p. 128), a ANCINE foi criada reforçando a posição do segundo grupo com objetivos bem delimitados “fomento à produção e regulação do mercado audiovisual com a construção de uma indústria cinematográfica autossustentável no país”.
O impacto da Lei 12.485/2011 sobre a produção audiovisual brasileira, a chamada Lei da TV Paga, é analisada por Costa (2015). Em seu texto, a autora argumenta que
“a lei tem, em parte, conseguido atingir seu objetivo de aumentar a penetração da TV paga no Brasil, provocando uma formação de mercado interno que poderá ser um trunfo para a produção independente. Para o cinema independente, a medida provou-se favorável. No entanto, não é possível mensurar, ainda, os efeitos reais sobre a dinamização e diversificação do mercado (operadores, tipos de produtos e quantidade) (p. 378).
Simis (2015) faz análise comparativa das indústrias cinematográficas no Brasil, Argentina e México que passaram por crises semelhantes com queda de produção, público e presença dos seus cinemas nacionais nas salas de cinema, além de transformação no mercado exibidor com o surgimento dos multiplex. Ao apontar as transformações que o setor cinematográfico sofreu entre os anos 80 e 90, com reflexos que são sentidos atualmente, a autora observa que a baixa presença da cinematografia nacional desses países em seus mercados exibidores reflete uma mudança radical na forma de exploração do filme. Esta mudança se associa ao surgimento do que a autora denomina neoliberalismo extremo do comércio cinematográfico, em que
houve um processo de desmantelamento do esquema tradicional de exibição, onde de alguma forma o cinema nacional tinha algum espaço para ser produzido e visto, e por outro lado um aumento constante no número atual de salas, mas sem nenhum vínculo com a produção de filmes nacional (p. 69).
Assim, as práticas de exibição no mercado cinematográfico passaram do que a autora chama de uma exploração em profundidade para uma de exploração em extensão. A primeira forma passava por uma sequência de salas começando “nas salas dos cinemas das metrópoles do Primeiro Mundo, seguida das salas no centro das grandes cidades dos países periféricos, e depois, para as salas situadas nos bairros e cidades do interior” (p.71). Enquanto que a exploração em extensão se relaciona com a utilização simultânea de um grande número de salas, acompanhada de um intenso esforço de publicidade. Isto segundo a autora, “dificulta a inserção do filme local, cujo marketing se resume muitas vezes ao boca a boca” (p. 71). Ao final do texto, a autora sugere a necessidade de políticas intergovernamentais como parte de esforços de revisão da forma de organização da indústria cinematográfica nesses países com ênfase na distribuição e exibição.

Referências

ALMEIDA, C. A. O cinema brasileiro no estado novo: o diálogo com a Itália, Alemanha e URSS. Revista de Sociologia e Política, n. 12. P; 121-129, 1999.

AMÂNCIO, TUNICO Pacto cinema-Estado: os anos Embrafilme. Alceu, v. 8, n. 15, p. 173-184, 2007.

COSTA, MANNUELA RAMOS DA Cinema, ao fim e ao cabo. Primeiras impressões sobre o impacto da Lei 12.485/2011, a Lei da TV paga, no Brasil. Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, v.4, n. 7, p. 356-380, 2015.

ESTEVINHO, TELMO ANTONIO DINELLI Cinema e política no Brasil: os anos da retomada. Aurora, n. 5, p. 120-130, 2009.


SIMIS, ANITA Economia política do cinema: a exibição cinematográfica na Argentina, Brasil e México. Versión Estudios de Comunicación y Política, n. 36, p. 54-75, 2015.