terça-feira, 23 de abril de 2013

SOLIDÃO E ESPERANÇA EM MEDIANERAS DE GUSTAVO TARETTO

A WEB, além de ser um avanço tecnológico do qual o cinema se apropria, tem sido também objeto presente na narrativa fílmica, caracterizando uma tendência do cinema contemporâneo. As redes sociais e os diferentes mecanismos de interconectividade permitidos pela web foram incorporados na trama de alguns filmes. Por exemplo, Mensagem para você, dirigido por Nora Ephron e lançado em 1999, é um filme no qual os dois personagens principais vividos por Meg Ryan e Tom Hanks se conhecem primeiro por meio da troca de mensagens pela WEB. Outro filme, mais recente que tem a WEB como parte integrante da narrativa é Rede Social que conta a história da criação do FACEBOOK. Esse filme foi lançado em 2010 com direção de David Fincher. Em 2011, Medianeras de Gustavo Taretto retorna ao uso da WEB como meio de conexão entre um homem e uma mulher jovens e solitários. Com uma estrutura narrativa muito parecida com a de Mensagem para Você, o filme de Taretto tem um ritmo mais acelerado e espirito crítico que o tornam muito superior ao de Nora Ephron que se caracteriza basicamente como uma comédia romântica.
O filme de Gustavo Taretto, lançado no Brasil em 2011, foi chamado de Medianeras: Buenos Aires na época do amor virtual. Estrelado por Javier Drolas e Pilar López de Ayala, Martin e Mariana, respectivamente o filme se passa em Buenos Aires e retrata o cotidiano solitário de dois jovens que não se conhecem, mas se comunicam pela WEB. A sinopse do filme conta:
Martin é um fóbico que está em vias de recuperação. Aos poucos vai saindo de sua reclusão em uma quitinete e abandonando seu vício pelo mundo virtual. Mariana, recém-separada, tem a cabeça tão bagunçada quanto o apartamento em que se refugia. Deveriam conhecer-se ou não? Como podem ser encontrar em uma cidade superpovoada e caótica como Buenos Aires? Medianeras (Paredes laterais). O mesmo que os separa é o mesmo que os une. (http://www.medianeras.com/historia.php).
O próprio diretor relata que Medianeras resultou de um conjunto de ideias que surgiram de suas observações e curiosidade por entender Buenos Aires e aos que vivem nestes dias. Para ele, Medianeras é uma fábula urbana, uma construção artificial e graciosa sobre a vida moderna. Com uma forte relação com a arquitetura, segundo Taretto, o filme foi construído em quatro pilares.
O primeiro pilar é uma reflexão sobre a Buenos Aires que vai sendo construíd apelos seus habitantes de forma caótica, imprevisível, contraditória, luminosa, empobrecida, hostil, mas ainda assim atraente.
O segundo pilar é a composto pela solidão urbana e neurose coletiva. Pessoas que conviem emprédios, no entanto, sentem-se sozinhas. Pessoas indiferentes com as demais que lotam um vagão de metrô. São fonte de inquietação uns para os outros.
O terceiro pilar, segundo Taretto, trata da incomunicabilidade. Apesar de tanta tecnologia cujo objetivo é nos conectar, mas falham nesse objetivo. As pessoas preferem fazer pedidos de entregas ao telefone ao invés de se reunir com amigos. Nossa vida é uma armadilha da modernidade que nos deixa cômodos e isolados.
Por fim, o quarto pilar é o dos encontros e desencontros. Para Taretto, é a busca do amor que é custoso de encontrar. É difícil encontrar a peça que se encaixe de modo a permitir que a vida se complete e funcione (http://www.medianeras.com/historia.php).
Nessa arquitetura baseada em quatro pilares, Taretto faz bom uso do espaço-tempo cinematográfico. O filme começa com uma narração superposta a uma série de fotografias de Buenos Aires. A história é narrada, após a apresentação das duas personagens centrais, em três momentos, baseados em estações do ano: um outono curto, um inverno longo, e a primavera enfim. O filme trata de forma bem humorada e delicada, as buscas típicas de jovens em nossa sociedade contemporânea, mas com ênfase na busca pelo outro, metaforicamente representada pela busca de Wally, em "Onde está Wally?"
Na mitologia grega encontra-se a estória da Caixa de Pandora. Júpiter andava às turras com Prometeu que havia modelado o primeiro homem de barro, além de ter dado aos humanos o acesso ao fogo. Assim, certo dia Júpiter pediu que Vulcano, junto com Minerva, sua mulher, criassem uma companhia para o homem. Os dois criaram Pandora, uma linda mulher, que era quase tão bela quanto a mais bela das deusas. Júpiter ficou muito satisfeito com a criação de Minerva e Vulcano. Em seguida a despachou para o reino dos mortais com um presente em sinal de seu apreço pelos humanos: uma caixa ricamente enfeitada com ouro e prata. Mas era um engodo. Júpiter avisou que Pandora não deveria abrir a caixa nunca.
Pandora e a caixa chegaram até Epimeteu, que era o irmão humano de Prometeu e este ficou impressionado com ambas. Levou Pandora e a caixa para seu quarto. Pandora adormeceu e sonhou que abrira a caixa e dela saíram somente coisas belas. Quando acordou não resistiu, abriu a caixa. Da caixa escaparam a Doença, a Gula, a Inveja, a Avareza, a Arrogância, a Crueldade, o Egoísmo. Ou seja, Júpiter usou Pandora para castigar os humanos enviando todas as maldades e vilanias que tornam nossa vida desagradável. Mas nem tudo estava perdido, em certo momento Pandora conseguiu fechar novamente a caixa e pensou que nada havia sobrado dentro dela. Olhando mais uma vez viu um rosto muito belo e jovem, que Pandora descobriu ser a Esperança.
Medianeras, como se disse acima, retrata dois jovens, Mariana e Martin, que não se conhecem pessoalmente, cada um com sua vida solitária, até o encontro entre eles. O retrato que Taretto faz da vida em Buenos Aires lembra um pouco a Caixa de Pandora. Uma arquitetura opressora que leva as pessoas a se isolarem cada vez mais. A falta de comunicação é uma constante. Um ritmo acelerado de vida impede que as pessoas tenham chance de efetivamente se encontrar. Mariana e Martin representam a juventude de nossa sociedade contemporânea que parece não ter possibilidade de construir um futuro profissional e afetivo. O contato humano é intermediado por artefatos tecnológicos que dão uma falsa impressão de proximidade. Estamos sozinhos na multidão. Fobias e psicoses estão presentes na vida desses jovens. Isso lembra as maldades e vilanias que escaparam da Caixa de Pandora e continuam a atormentar os humanos.
Mas, há uma esperança. Mariana continua a sua busca da felicidade. A esperança não escapou da Caixa de Pandora. Mariana continua buscando Wally na cidade. No dia em que ambos se rebelam e abrem janelas para o mundo nas paredes laterais de seus prédios, as medianeras, é como se os dois começassem a encontrar a porta de saída de seus mundos reclusos. Mariana olha para a rua e enxerga Wally (Martin). Corre em disparada para alcançá-lo. Na pressa, deixa para trás sua fobia de elevadores. A busca da felicidade, inspirada na esperança, não lhe dá tempo de temer. A solidão não é inescapável!

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