A WEB, além de ser um avanço
tecnológico do qual o cinema se apropria, tem sido também objeto presente na
narrativa fílmica, caracterizando uma tendência do cinema contemporâneo. As
redes sociais e os diferentes mecanismos de interconectividade permitidos pela
web foram incorporados na trama de alguns filmes. Por exemplo, Mensagem para você, dirigido por Nora
Ephron e lançado em 1999, é um filme no qual os dois personagens principais
vividos por Meg Ryan e Tom Hanks se conhecem primeiro por meio da troca de
mensagens pela WEB. Outro filme, mais recente que tem a WEB como parte
integrante da narrativa é Rede Social
que conta a história da criação do FACEBOOK. Esse filme foi lançado em 2010 com
direção de David Fincher. Em 2011, Medianeras
de Gustavo Taretto retorna ao uso da WEB como meio de conexão entre um
homem e uma mulher jovens e solitários. Com uma estrutura narrativa muito
parecida com a de Mensagem para Você,
o filme de Taretto tem um ritmo mais acelerado e espirito crítico que o tornam
muito superior ao de Nora Ephron que se caracteriza basicamente como uma
comédia romântica.
O
filme de Gustavo Taretto, lançado no Brasil em 2011, foi chamado de Medianeras:
Buenos Aires na época do amor virtual. Estrelado por Javier Drolas e Pilar
López de Ayala, Martin e Mariana, respectivamente o filme se passa em Buenos
Aires e retrata o cotidiano solitário de dois jovens que não se conhecem, mas
se comunicam pela WEB. A sinopse do filme conta:
Martin
é um fóbico que está em vias de recuperação. Aos poucos vai saindo de sua
reclusão em uma quitinete e abandonando seu vício pelo mundo virtual. Mariana,
recém-separada, tem a cabeça tão bagunçada quanto o apartamento em que se
refugia. Deveriam conhecer-se ou não? Como podem ser encontrar em uma cidade
superpovoada e caótica como Buenos Aires? Medianeras (Paredes laterais). O
mesmo que os separa é o mesmo que os une. (http://www.medianeras.com/historia.php).
O próprio diretor relata que
Medianeras resultou de um conjunto de ideias que surgiram de suas observações e
curiosidade por entender Buenos Aires e aos que vivem nestes dias. Para ele,
Medianeras é uma fábula urbana, uma construção artificial e graciosa sobre a
vida moderna. Com uma forte relação com a arquitetura, segundo Taretto, o filme
foi construído em quatro pilares.
O
primeiro pilar é uma reflexão sobre a Buenos Aires que vai sendo construíd
apelos seus habitantes de forma caótica, imprevisível, contraditória, luminosa,
empobrecida, hostil, mas ainda assim atraente.
O
segundo pilar é a composto pela solidão urbana e neurose coletiva. Pessoas que
conviem emprédios, no entanto, sentem-se sozinhas. Pessoas indiferentes com as
demais que lotam um vagão de metrô. São fonte de inquietação uns para os
outros.
O
terceiro pilar, segundo Taretto, trata da incomunicabilidade. Apesar de tanta
tecnologia cujo objetivo é nos conectar, mas falham nesse objetivo. As pessoas
preferem fazer pedidos de entregas ao telefone ao invés de se reunir com
amigos. Nossa vida é uma armadilha da modernidade que nos deixa cômodos e
isolados.
Por
fim, o quarto pilar é o dos encontros e desencontros. Para Taretto, é a busca
do amor que é custoso de encontrar. É difícil encontrar a peça que se encaixe
de modo a permitir que a vida se complete e funcione (http://www.medianeras.com/historia.php).
Nessa
arquitetura baseada em quatro pilares, Taretto faz bom uso do espaço-tempo
cinematográfico. O filme começa com uma narração superposta a uma série de
fotografias de Buenos Aires. A história é narrada, após a apresentação das duas
personagens centrais, em três momentos, baseados em estações do ano: um outono curto, um inverno longo, e a primavera enfim. O filme trata de
forma bem humorada e delicada, as buscas típicas de jovens em nossa sociedade
contemporânea, mas com ênfase na busca pelo outro, metaforicamente representada
pela busca de Wally, em "Onde está Wally?"
Na mitologia grega encontra-se a
estória da Caixa de Pandora. Júpiter andava às turras com Prometeu que havia
modelado o primeiro homem de barro, além de ter dado aos humanos o acesso ao
fogo. Assim, certo dia Júpiter pediu que Vulcano, junto com Minerva, sua
mulher, criassem uma companhia para o homem. Os dois criaram Pandora, uma linda
mulher, que era quase tão bela quanto a mais bela das deusas. Júpiter ficou
muito satisfeito com a criação de Minerva e Vulcano. Em seguida a despachou
para o reino dos mortais com um presente em sinal de seu apreço pelos humanos:
uma caixa ricamente enfeitada com ouro e prata. Mas era um engodo. Júpiter
avisou que Pandora não deveria abrir a caixa nunca.
Pandora e a caixa chegaram até
Epimeteu, que era o irmão humano de Prometeu e este ficou impressionado com
ambas. Levou Pandora e a caixa para seu quarto. Pandora adormeceu e sonhou que
abrira a caixa e dela saíram somente coisas belas. Quando acordou não resistiu,
abriu a caixa. Da caixa escaparam a Doença, a Gula, a Inveja, a Avareza, a
Arrogância, a Crueldade, o Egoísmo. Ou seja, Júpiter usou Pandora para castigar
os humanos enviando todas as maldades e vilanias que tornam nossa vida
desagradável. Mas nem tudo estava perdido, em certo momento Pandora conseguiu
fechar novamente a caixa e pensou que nada havia sobrado dentro dela. Olhando
mais uma vez viu um rosto muito belo e jovem, que Pandora descobriu ser a
Esperança.
Medianeras, como se disse acima,
retrata dois jovens, Mariana e Martin, que não se conhecem pessoalmente, cada
um com sua vida solitária, até o encontro entre eles. O retrato que Taretto faz
da vida em Buenos Aires lembra um pouco a Caixa de Pandora. Uma arquitetura
opressora que leva as pessoas a se isolarem cada vez mais. A falta de
comunicação é uma constante. Um ritmo acelerado de vida impede que as pessoas
tenham chance de efetivamente se encontrar. Mariana e Martin representam a
juventude de nossa sociedade contemporânea que parece não ter possibilidade de
construir um futuro profissional e afetivo. O contato humano é intermediado por
artefatos tecnológicos que dão uma falsa impressão de proximidade. Estamos
sozinhos na multidão. Fobias e psicoses estão presentes na vida desses jovens.
Isso lembra as maldades e vilanias que escaparam da Caixa de Pandora e
continuam a atormentar os humanos.
Mas, há uma esperança.
Mariana continua a sua busca da felicidade. A esperança não escapou da Caixa de
Pandora. Mariana continua buscando Wally na cidade. No dia em que ambos se
rebelam e abrem janelas para o mundo nas paredes laterais de seus prédios, as
medianeras, é como se os dois começassem a encontrar a porta de saída de seus
mundos reclusos. Mariana olha para a rua e enxerga Wally (Martin). Corre em
disparada para alcançá-lo. Na pressa, deixa para trás sua fobia de elevadores.
A busca da felicidade, inspirada na esperança, não lhe dá tempo de temer. A
solidão não é inescapável!
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