domingo, 3 de fevereiro de 2013

Novo cinema, cinema novo

Minhas leituras de cinema têm sido aleatórias. Nesse momento de minha vida, busco ler de tudo um pouco, sem estabelecer um programa sistematizado de leitura. Assim, de vez em quando, visito os sebos de Curitiba atrás de publicações que me atraiam.
Recentemente, encontrei o número 2 do Cadernos de Cinema, de dezembro de 1968, publicação portuguesa cujo objetivo era a divulgação de estudos relativos aos mais diversos aspectos da arte e da indústria cinematográfica.
Nesse número, dedicado aos chamados cinemas independentes ou cinemas novos, encontram-se oito textos escritos entre outubro de 1965 e julho de 1968 por diferentes autores, originalmente publicados em outras revistas de cinema da época: Jeune Cinéma, Cinéma, Cahiers du Cinéma e Nuestro Cine. Há também um artigo originário do Le Monde e o Documento de Pesaro, ano IV: Quarta Mostra do Novo Cinema.
Entre os textos há um de Glauber Rocha, O Cineasta Tricontinental, publicação desse líder do Cinema Novo brasileiro na Cahiers du Cinéma, número 195. Glauber aborda o cinema do terceiro mundo, filmes vindos da Ásia, África e América Latina. Algumas de suas ideias:
O cinema é uma linguagem internacional, e as contingências nacionais não justificam, a nenhum nível, uma anulação da expressão. Se, no caso do cinema tricontinental, a estética tem mais relações com a ideologia do que com a técnica, os mitos técnicos da zoom, do directo, da câmara portátil, da cor, etc, não passam de simples instrumentos. A linguagem é ideológica e deixam de exisitir fronteiras geográficas.Quando falo de cinema tricontinental e considero Godard como um cineasta tricontinental é porque ele abre uma frente de guerrilha no cinema, parte ao ataque, brusco, inesperado, com filmes implacáveis. Torna-se um cineasta político, propõe uma estratégia e uma táctica válidas para qualquer parte do mundo. (p. 85).
Logo mais à frente, Glauber continua:
No caso especial de Barravento, Deus e o Diabo na Terra do Sol e Terra em Transe creio ter dado os primeiros passos e reconheço nesses filmes os desastres duma transição violenta. Mas foi desta ruptura que adquiri as possibilidades dum cinema que se isncreve no espírito tricontinental, por tanto tempo quanto o cinema poderá ser útil. (p. 85).
A menção a Godard como um cineasta político aponta para um dos fundadores da Nouvelle Vague francesa, mas este não era uma unanimidade. Nesse mesmo número de Cadernos de Cinema, Jean Delmas e Marcel Martin lembram, em seus textos, a conferência de Pasolini no Festival do Novo Cinema de Pesaro em 1965 e sua crítica a Godard. Os dois apontam a distinção feita entre o cinema-prosa e o cinema-poesia por Pasolini. Para Pasolini, o cinema clássico era a narrativa e tinha na prosa sua língua, enquanto que o cinema poesia baseava-se no exercício de estilo como inspiração. No que diz respeito a Godard, Martin o reconhece como um dos que mais contribuíram para a descoberta de uma lingua poética. No entanto, Pasolini apontou os limites deste,  falando a seu propósito de estado dominante nevrótico ou escandoloso na sua relação com a realidade e a propósito de suas personagens de esquisitas flores da burguesia (p. 62). Ao final, Martin alia-se a Pasolini ao afirmar:
... Pasolini - como marxista - expende sobre Godard um juízo severo, mas que se nos afigura justo, considerando este realizador como uma emanação da burguesia, uma criação do "neo-capitalismo, que volta a atribuir aos poetas uma função pseudo-humanista: o mito e a consciência técnica da forma" (p. 73).
Enfim, uma leitura que traz reflexões importantes sobre as possibilidades de um cinema independente no momento em que diversas cinematografias nacionais começavam a se mostrar ao mundo. Entre 10 e 15 anos depois do artigo de Truffaut - Uma certa tendência do cinema Francês - nos Cahiers du Cinéma em 1954, tido por Martin como a declaração de guerra daquilo que viria a ser a nouvelle vague (p. 49).
O texto mais longo e mais informativo é o de Fernando Lara que faz uma apreciação crítica dos filmes apresentados em Pesaro em 1968 na Quarta Mostra do Novo Cinema. Nesse texto, fala do filme Proezas de Satanás na Vila do Leva e Traz, do brasileiro Paulo Gil Soares, considerado o melhor filme do festival junto com Vermelhos e Brancos do húngaro Miklós Jancsó. Outros filmes brasileiros que estiveram em Pesaro foram Bebel, garota propaganda de Maurice Capovilla e  Cara a Cara de Julio Bressane.
Textos que compõe o Cadernos de Cinema, n. 2, da Publicações Dom Quixote de Lisboa, de dezembro de 1968:
  • Cinema independente, cinema livre, cinema novo por Jean Delmas
  • A isto se chama Aurora por Pierre Billard
  • A batalha do novo cinema por Louis Marcorelles
  • Os caminhos da autenticidade por Marcel Martin
  • O cineasta tricontinental por Glauber Rocha
  • Os mais jovens do mundo por Georges Sadoul
  • Pesaro, ano IV - à procura de uma nova dialética por Fernando Lara
  • Documento de Pesaro

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