domingo, 9 de agosto de 2015

Andar (n)o mundo procurando belezas

"Andar o mundo procurando belezas". Esta é uma fala de Anita para João no último filme de Jorge Furtado, Real Beleza. Esta frase me impressionou profundamente. Aliás, não é a primeira vez que falas de personagens em filmes assumem um significado especial para mim, inspirando-me alguma reflexão. Só que neste caso, prefiro a frase com um "n" antes de "o mundo". Andar o mundo me passa uma ideia de transitoriedade apressada, apenas passar, sem muito compromisso, a não ser o de realizar uma tarefa. Andar no mundo, ao contrário, significa, ao menos na forma como estou sentindo, o viver no mundo, transitório também, é verdade! Mas, menos apressado, buscando sentir a vida em sua plenitude, com seus altos e baixos, com seus prazeres e dores, com sorrisos e lágrimas... Com um propósito que é muito mais que realizar uma tarefa.
Mas, estou colocando o carro na frente dos bois. Voltemos ao início.
O filme de Jorge Furtado foi lançado no último dia 6. Tive a oportunidade de assistí-lo ontem. A trama, além de Anita e João, envolve Pedro, marido de Anita, e a filha deles, Maria. A sinopse do filme, no Adoro Cinema, conta: "João (Vladimir Brichta) é um fotógrafo decadente, procurando uma nova modelo para relançar a sua carreira. Ele parte para o sul do Brasil, onde fotografa dezenas de adolescentes, até se encantar com a beleza de Maria (Vitória Strada), que deseja transformar em modelo internacional. Mas Pedro (Francisco Cuoco), o pai da garota, se opõe à carreira profissional da filha. Durante uma viagem de Pedro, João tem um caso amoroso com Anita (Adriana Esteves), mãe de Maria." (http://www.adorocinema.com/filmes/filme-224751/). Como toda sinopse, não diz muito, mas serve para revelar parte da trama, preservando o essencial na escuridão. É claro que o filme é mais do que isso!
Fazendo jus ao título, o filme é de uma rara beleza. Há muito não assistia a uma produção brasileira com fotografia tão bela, tanto em interiores quanto exteriores. O roteiro é bem elaborado e conta de forma competente uma trama que envolve conflitos diversos: uma filha adolescente querendo seguir um caminho mais livre; um profissional da fotografia que faz o que não deseja; uma mulher casada com um homem mais velho lutando entre a gratidão e o desejo; o olhar possível e a impossibilidade do olhar...
Tudo isso é narrado por meio de belas imagens usando referências à arte da fotografia e literatura de forma intertextual. Há um diálogo maravilhoso entre Pedro e João, quase ao final do filme, em que um trecho de obra clássica da literatura mundial é usado como uma fala de Pedro. Paro com o spoiler por aqui! O filme me agradou muito. Em alguns momentos, a beleza das imagens era tão intensa que, de forma inusitada para mim, meus olhos marejaram. Cinema cumprindo sua dupla finalidade: entreter e fazer pensar.
A fala de Anita para Jorge, ocorre nos seus primeiros contatos, quando este está lhe dizendo o que faz como fotógrafo. Foi como se um estopim se acendesse e começasse a se queimar em meu cérebro levando a alguma coisa. Na explosão, chego a esse texto.
Mas. como disse, prefiro a forma andar no mundo procurando belezas. Esta fala me fez pensar em minhas andanças no mundo. Não foram tantas quanto eu ainda pretendo, mas já foram algumas. Todas marcantes em algum sentido.
Ao longo de minhas viagens, me habituei a comprar pelo menos um livro da literatura do país que estou visitando. A mais antiga compra de que me lembro foi quando estive em Dublin, há mais de vinte anos atrás. Uma tempestade se avizinhava em minha vida. Não era marítima! Ou seja, não seria na travessia do mar da Irlanda, mas chegaria um dia. Talvez, por isso, a compra desse livro esteja fresca ainda em minha memória. Naqueles dias, comprei em Dublin, o livro Dubliners de James Joyce. Uma coleção de quinze contos publicada em 1914. Mais recentemente, poucos anos atrás, enquanto participava de um congresso em Lima, no aeroporto encontrei na livraria os dois volumes de contos de Julio Ramón Ribeyro intitulados La Palabra del Mudo. Lendo essa coletânea, publicada pela primeira vez em 1973, me emocionei com a histórias contadas por esse escritor peruano. No Brasil, quando estive em Aracaju, pude comprar diversos folhetins de cordel. Uma maneira deliciosa de conhecer a história e o povo de uma localidade.
Em 2015, tive a oportunidade de fazer duas viagens: Montevidéu e Atenas. De cada viagem, além das boas memórias, trouxe um livro. De Montevidéu, mais um livro de contos: Montevideanos de Mario Benedetti. Também, um mestre do texto breve, Benedetti me emocionou com o que li. De Atenas, uma obra prima que estou chegando ao final: Report to Greco de Nikos Kazantzakis. Nessas leituras, encontro algumas belezas dos lugares que visito. Belezas que estão nos livros, estes que são parte da Real Beleza que Jorge Furtado nos trouxe.
Uma coisa me deixou muito incomodado na sala de cinema ontem. Na parte inferior da tela, do lado esquerdo, há um sinal luminoso indicando a saída. Um péssimo local para se preocupar com a segurança da platéia! Muitas vezes, esse sinal luminoso se intrometia nas imagens que eram projetadas. Mas, estava ali indicando um caminho em caso de crise.
Mas, na vida, não temos desses sinais luminosos! Os caminhos são de nossa escolha. Ando no mundo procurando belezas. Seja no cinema, seja na literatura, seja nos estudos da Administração que já fazem parte de minha vida há 38 anos. Tenho encontrado algumas. Felizmente!

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