domingo, 12 de janeiro de 2014

Estética da Hipervenção

Há textos que exigem uma preparação do leitor. Empreender sua leitura, sem algum traquejo no campo específico, algumas vezes, leva a um resultado insatisfatório. Em novembro de 2012, adquiri o livro Imagens Revisitadas: ensaios sobre a estética da hipervenção, da Professora Denize Correa Araujo. Naquele mês, havia recém iniciado uma especialização em cinema na Universidade Tuiuti do Paraná, coordenado por Denize.

Comecei a ler o livro alguns dias depois, mas senti que ainda não estava preparado para desfrutar da leitura de modo adequado. Meu sentimento foi de que necessitava conhecer mais sobre o campo do Cinema para poder compreender sobre o que Denize denomina Estética da Hipervenção. Pus o livro de lado. Que aguardasse o momento propício!

Decorridos quatorze meses desde meu envolvimento com a especialização em cinema, ontem ao acordar, um sábado preguiçoso, fui à estante em busca de algo para ler. Reencontrei o livro de Denize. Foi o escolhido! Li quase de uma sentada só! Após um intervalo para almoço, continuei a leitura à tarde. 

Mais um intervalo para assistir Moloch de Aleksandr Sokurov, no cine-clube do Museu Guido Viaro. Aliás, filme sombrio que retrata alguns dias de retiro de Hitler na Bavária, que pude apreciar um pouco influenciado pelos textos de Denize. Este filme faz parte da Tetralogia do Poder do cineasta russo junto com Taurus (2001), Sol (2005) e Fausto (2011). Em Moloch, a partir do título, Sokurov faz uma menção a um deus antigo, mencionado em textos bíblicos, a quem eram sacrificados bebês jogados ao fogo. Associando a figura de Hitler a esta figura perversa, o cineasta apresenta, por meio de uma estética cinzenta, escura e nublada, com alguns toques de surrealismo, um retrato psicológico de Hitler altamente sombrio. 

De noite, na cama, conclui a leitura. Ao final do livro, na conclusão, uma frase de Denize sobre a intertextualidade me ajudou a compreender porque não consegui avançar na leitura desse livro excepcional na primeira vez. Denize faz uma consideração importante sobre a intertextualidade à página 207 do livro: Obras intertextuais exigem leitores com repertório para que sejam acionadas em suas múltiplas possibilidades

De igual forma, o livro de Denize exige do leitor um repertório para que este possa usufruir de suas múltiplas vias de entendimento. Quatorze meses atrás meu repertório ainda era muito limitado. Felizmente não insisti em uma leitura que não seria tão prazerosa quanto a que fiz ontem. Não que agora meu repertório seja muito amplo, mas reconheço que está um pouco melhor. Viva a Educação!

No livro, Denize nos apresenta uma panorâmica de seus esforços de pesquisa para analisar a intertextualidade pós-modernista como criadora de uma nova estética, ..., que oferece uma nova configuração tempo-espaço e, consequentemente, um novo tipo de inclusivismo (p. 10). Denize denomina Estética da Hipervenção a esta figura, combinando de forma criativa o que chama de três termos positivos: "hiper" no sentido de virtual (um espaço com muitas possibilidades), e "venção" no sentido de "invenção" e 'intervenção" (p. 20). Mais adiante, no quarto capítulo, ao analisar três filmes contemporâneos - Como se Morre no Cinema (Luelane Correa, 2001), Ladrões de Sabonete (Maurizio Nichetti, 1989) e Dogville (Lars von Trier, 2004) - Denize adiciona ao conceito de hipervenção a hibridação, ou seja, a coexistência de duas estéticas distintas que dialogam e se complementam, criando um texto terceiro com elementos de ambas as estéticas-base (p. 71).

O livro é composto por Introdução, treze capítulo e conclusão. Já na Introdução e em especial no capítulo 1, Denize discorre sobre os principais conceitos relacionados ao pós-modernismo e intertextualidade que dão suporte ao entendimento do que é a Estética da Hipervenção. Apoiada em proposições teóricas de Mikhail Bakhtin, Julia Kristeva, Teixeira Coelho, Giles Deleuze, Roland Barthes e Jacques Derrida, entre outros, Denize executa uma pesquisa inclusivista, permitindo a coexistência de múltiplas leituras, apontando controvérsias e sugerindo que o pluralismo e o multiculturalismo incluem fricções e negociações para expressar a simultaneidade da vida contemporânea, para aceitar a fragmentação, e para vivneciar uma nova esfera de virtualidade (p. 22).

Os capítulos de 2 a 13 são textos publicados por Denize em periódicos e congressos da área de Comunicação entre 2001 e 2006. Na Conclusão, Denize esboça a forma como os textos analisados em sua pesquisa se entrelaçam, mostrando ao leitor, por meio de uma metáfora - multifreeways - diálogos, convergências e divergências que constroem uma rede de sistemas inter-relacionados inter e hipertextualmente (p. 203). A obra revela um esforço de pesquisa sistemático, conceitualmente bem fundamentado e diversificado no conjunto de textos analisados. Há uma organicidade bem balanceada entre as partes do livro, que compõem um todo coeso e consistente, exceto o capítulo 11 - O caráter pseudo da inclusão digital - que, apesar de abordar questão relevante do ponto de vista social, não contribuiu para o entendimento da Estética da Hipervenção proposta por Denize.

ARAÚJO, DENIZE CORREA  Imagens revisitadas: ensaios sobre a estética da hipervenção. Porto Alegre: Sulina, 2007. 223p.



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