Ontem comecei a assistir Amélia, filme da cineasta Ana Carolina lançado em 2000. Conforme consta na Enciclopédia Itaú Cultural, este foi o quarto longa-metragem de Ana Carolina que foi roteirizado e dirigido por ela. É um filme que me causou um certo estranhamento. Na trama há três mulheres que vivem em um sítio no interior de Minas Gerais e, após receberem carta de Amélia, irmã de duas delas, vão para o Rio de Janeiro ao encontro dela que se afastara das irmãs há muitos anos. No Rio de Janeiro, elas se encontram com a trupe de Sarah Bernhardt, a atriz francesa, com a qual Amélia trabalhava. Falado em francês e português, além do castelhano, o filme é uma batalha cultural! O filme mistura ficção com realidade, pois, de fato, Sarah Bernhardt esteve no Brasil em 1886, 1893 e 1905 (Amaral, 2019).
Devido a problemas de conexão com a internet, deixei para terminar de ver o filme, disponível na Looke hoje pela manhã. Não planejara escrever este post, apesar de ter me divertido muito com o filme. Além disso, o filme continuou me causando o estranhamento mencionado no parágrafo anterior. Uma mistura de teatro, poesia e cinema!
Para minha surpresa, no meio da tarde, enquanto lia um livro recém adquirido (Mulheres atrás das câmeras – as cineastas brasileiras de 1930 a 2018), organizado por Luiza Lusvarghi e Camila Vieira da Silva, encontrei uma referência a frase em que Ana Carolina comentou sobre o seu interesse em “fazer filmes esquisitíssimos, extraordinários, inteligentíssimos”. Esta frase, encontrei no capítulo de Karla Holanda (Documentários (e afins) feitos por elas - um painel) que integra o livro acima. Por sua vez, Karla Holanda comenta que a afirmação de Ana Carolina foi encontrada em Literatura não é documento de Ana Cristina Cesar, publicação da Funarte de 1980.
A partir dessa frase de
Ana Carolina, Amélia fez todo o sentido para mim. Dessa forma, parti em
busca de informações sobre o filme em outros textos. Eis o que encontrei:
Amélia se situa num
contexto do cinema brasileiro da década de 1990 marcado por um retorno da
questão nacional e política articulada às estratégias alegóricas herdadas do
Cinema Novo. Num momento em que o debate sobre a globalização é tema recorrente
na imprensa e nos meios intelectuais, e em que o país encontra-se em um
processo de modernização, o filme expõe as contradições do arranjo mundial
repondo suas determinações históricas. Retorna a discussão sobre a construção
da identidade brasileira se dar sempre numa relação paradoxal com modelos
exteriores que são fontes, ao mesmo tempo, de inspiração e estranhamento. O
encontro do "mundo rural decadente de Minas Gerais (esse símbolo da
riqueza nacional espoliada, representado pelas duas irmãs e a empregada)"
com o universo de Sarah Bernhardt resulta na desavença, mas também na revelação
de uma interdependência. Enquanto as duas irmãs insistem em reivindicar a
suposta herança de Amélia que ainda não receberam, uma série de pequenas
negociações e pactos temporários se tece entre elas e a atriz. Há, entre a
francesa e as brasileiras, uma metáfora da relação entre colonizadores e
colonizados (Enciclopédia Itaú Cultural - http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra67318/amelia).
Por outro lado, em artigo
de Erika Amaral (2019), há uma análise do filme de Ana Carolina, que começa apontando
para a intermidialidade do filme presente na combinação do teatro de Sarah Bernhardt
e a poesia de Gonçalves Dias. Por meio desta intermidialidade, de fato, Amaral
(2019, p. 9-10) ao comentar o uso que Ana Carolina faz do poema I-Juca Pirama no
filme, afirma que
A escolha deste poema
como elemento de protagonismo das sequências finais de Amélia aponta, em certa
medida, para esta reputação como símbolo da identidade nacional. As questões de
nacionalismo e indianismo suscitadas pela poesia romântica brasileira são
fundamentais para a análise da intermidialidade no filme de Ana Carolina.
Mais à frente, a mesma
autora sugere que “a presença da arte teatral no filme de Ana Carolina revela
possíveis contaminações interculturais que se desenvolvem ao longo da
narrativa, mas que evoluem em meio a confrontos” (p. 11).
Em suma, apesar do
estranhamento, Amélia é um filme que o acaso quis que entrasse nessa
minha viagem pelo mundo do cinema brasileiro.
Dados do filme:
Direção: Ana Carolina
Roteiro: Ana Carolina e José Antônio Pinheiro
Elenco principal: Marília Pêra (Amélia); Béatrice Agenin (Sarah Bernardt); Camila Amado (Oswalda); Alice Borges (Maria Luiza); Betty Gofman (Vicentine); Xuxa Lopes (Atriz Perdida); Duda Mamberti (Lano); Myrian Muniz (Francisca)
Fotografia: Rodolfo Sánchez
Referências:
AMÉLIA . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra67318/amelia>. Acesso em: 02 de Nov. 2020. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
AMARAL, Erika “Meu canto de morte, guerreiros, ouvi”: intermidialidade e tensões do colonialismo em Amélia (2000). Aniki Revista Portuguesa da Imagem em Movimento, v. 6, n. 2, p. 3-24, 2019,
HOLANDA, Kátia Documentários (e afins) feitos por elas. In: Luiza Lusvarghi e Camila Vieira da Silva Orgs.) Mulheres atrás das câmeras: as cineastas brasileiras de 1930 a 2018. São Paulo: Estação Liberdade, 2019.
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